Como se sabe, conquanto a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) seja o principal diploma que regulamenta a legislação trabalhista, é importante lembrar que existem inúmeras normas extravagantes que tratam de inúmeros direitos e obrigações trabalhistas, tais como decretos, normas regulamentadoras, dentre outras.
Nesse diapasão, o Decreto nº 4.552, de 27 de dezembro de 2002 [1], aprovou o regulamento da inspeção do trabalho com a finalidade de “assegurar, em todo o território nacional, a aplicação das disposições legais, incluindo as convenções internacionais ratificadas, os atos e decisões das autoridades competentes e as convenções, acordos e contratos coletivos de trabalho, no que concerne à proteção dos trabalhadores no exercício da atividade laboral”.
De acordo com uma pesquisa obtida através dos resultados consolidados das ações fiscalizatórias realizadas pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), em 2021 foram feitas 41.133 ações fiscais de combate à sonegação ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), assim como se verificou que 112.396 jovens foram inseridos no mercado de trabalho em razão das ações de fiscalização [2].
Dito isso, impende destacar que, nos termos do artigo 627 da norma celetária [3], para que ocorra a responsabilização por infração à legislação vigente deverá ser observado o critério da dupla visita, inclusive sob pena de invalidade da infração aplicada.
A título de ilustração, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já foi provocado e emitir um juízo de valor sobre o assunto, na qual reconheceu a nulidade de auto de infração, por entender que não foram observados os critérios da dupla visita e da prévia orientação [4].
Acerca da temática, oportunos são os ensinamentos do Auditor-Fiscal do Trabalho, Abel Ferreira Lopes Filho [5]:
“A dupla visita deve ser formalizada em notificação, que fixará o prazo para a visita, na forma das instruções expedidas pela SIT.
A norma menciona ainda que aqueles que violarem as disposições legais ou regulamentares, ou se mostrarem negligentes na sua aplicação, deixando de atender às advertências, notificações ou sanções da autoridade competente, poderão sofrer reiterada ação fiscal.
O descumprimento sistemático das disposições legais ensejará por parte da autoridade regional a denúncia do fato, de imediato, ao Ministério Público do Trabalho.”
Frise, oportunamente, que no Brasil o procedimento administrativo adotado para a fiscalização é o modelo bifásico, no qual, inicialmente, a fiscalização desenrola-se de forma inquisitorial, e, posteriormente, realiza-se o seu controle administrativo com a participação do investigado.
Feitas essas considerações, surgem algumas relevantes dúvidas e questionamentos quanto ao assunto: é possível o exercício do contraditório antes da autuação trabalhista? O empregador tem, de fato, direito de participar da formação do ato administrativo nesse momento preliminar? E, mais, o modelo atual bifásico pode ser considerado um processo único?
Por certo, o assunto é polêmico, tanto que o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, desta ConJur [6], razão pela qual agradecemos o contato.
Com efeito, é cediço que o país possui um grande déficit de auditores fiscais do trabalho, inclusive com uma elevada redução de recursos orçamentários para área [7]. E conforme veiculado nos meios de comunicação, o último concurso público para a função foi realizado há dez anos [8].
À vista disso, considerando-se este modelo bifásico adotado no Brasil aliado à falta de estrutura, verifica-se que, caso fosse oportunizada ao empregador a sua participação desde o início do procedimento fiscalizatório, por certo haveria a correção de erros, porventura identificados, de sorte que o sistema se mostraria mais eficaz e produtivo.
Aliás, cabe lembrar que embora, em um primeiro momento, possa parecer que este modelo administrativo bifásico de fiscalização seja um processo único em razão de sua interligação, fato é que são fases distintas, sendo que cada uma delas poderá ter um tempo diferente para concretização.
De um lado, a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal [9]. Lado outro, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, assegura “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Destarte, uma das características desta primeira fase inquisitória seria justamente o seu caráter sigiloso, e sem a possibilidade do exercício do contraditório e da ampla defesa, sob a pretensa justificativa de que assim seria possível obter a veracidade dos fatos sem quaisquer interferências.
Entrementes, impende destacar que, no procedimento fiscal trabalhista, em que pese os documentos sejam publicizados às autoridades administrativas, a natureza e a finalidade deste mecanismo são diversas do sistema de produção de provas do processo penal.
Se é verdade que no inquérito policial o suspeito não tem do dever legal de colaboração com as investigações para a produção de provas, sendo o direito ao silêncio uma garantia constitucional; de modo diferente, no procedimento fiscal trabalhista, para além do dever de colaboração, deve-se interpretar a legislação em conformidade com o ordenamento jurídico pátrio.
Outrossim, considerando que hoje este procedimento inquisitório é realizado sem que o empregador tenha o direito ao exercício do contraditório, certo é que após o resultado da fiscalização não há opção senão a de se sujeitar ao resultado, no qual poderá reputá-lo como um devedor por meio de uma decisão unilateral. Portanto, somente na fase seguinte, em razão do modelo bifásico, é que seriam possibilitados ampla defesa e contraditório.
Sob este ângulo, constata-se que, em conformidade com o modelo atual de fiscalização, o exercício da defesa acontecerá somente após a autuação do administrado. Ocorre que se desde o início fosse exercitado o devido processo legal constitucional, para além da própria celeridade do procedimento fiscalizatório em si, evitar-se-ia uma sobrecarga do sistema e eventuais equívocos cometidos pela autoridade administrativa.
Além do mais, é forçoso ressaltar que cada agente fiscal tem a incumbência de decidir, monocraticamente, acerca das questões referentes ao procedimento, de forma que o empregador se submeterá a sua decisão.
Em arremate, correto seria que os processos administrativos fossem regidos desde o seu nascedouro pela garantia do devido processo legal, prestigiando-se, pois, os princípios da boa-fé e da ética. Caso fosse possibilitado o exercício do contraditório antes da própria autuação, e, mais, tendo clareza e transparência no procedimento de parte do empregador, não há dúvidas de que haveria, na prática, maior colaborar com a fiscalização e a inspeção do trabalho, além de uma maior segurança jurídica.
Fonte: ConJur
Disponivel em: https://www.conjur.com.br/2023-jun-08/pratica-trabalhista-direito-administrativo-trabalho-inspecao-a…