Afastamento de Bretas mostra que mostra que juízes não podem tratar réus como inimigos

A decisão do Conselho Nacional de Justiça de afastar Marcelo Bretas do posto de juiz da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro reafirma que magistrados devem ter atuação imparcial, e não tratar réus como inimigos. Além disso, representa mais uma derrota à finada “lava jato”, afirmam advogados. 

O CNJ decidiu, nesta terça-feira (28/2), afastar Marcelo Bretas do posto de juiz da 7ª Vara Federal Criminal do Rio. O colegiado analisou três reclamações constitucionais contra o magistrado responsável por conduzir processos da finada “lava jato” fluminense. 

O placar foi de 12 a 3 pelo afastamento cautelar. Os conselheiros também decidiram abrir um procedimento para apurar a conduta de Bretas, que fica fora da 7ª Vara enquanto durarem as investigações. 

Advogados ouvidos pela ConJur parabenizaram o CNJ e disseram que a atuação de Bretas é incompatível com a função de juiz. 

Para o jurista Lenio Streck, colunista da ConJur, o CNJ fez o que se esperava. “Bretas imitou Moro. Foi um juiz tipo-inquisição. Assim como Moro, também trabalha com o target effect (efeito alvo): primeiro atirava a flecha e depois pintava o alvo. E, por óbvio, um juiz não deve nunca ser assim.”

O advogado Fernando Hargreaves elogiou a decisão do CNJ. “Hoje foi um grande dia para a magistratura brasileira. Mais uma vez a democracia e o combate ao abuso do poder prevaleceram”, afirmou.

O criminalista André Callegari concorda. “A medida tomada pelo CNJ vem em boa hora. Ainda que seja cautelar, demonstra que no processo acusatório a postura do magistrado deve ser equidistante das partes. Aliás, se essas medidas já tivessem sido adotadas anteriormente, muitos abusos não teriam sido cometidos na ‘lava jato’ e talvez outros magistrados estariam afastados pelos mesmos motivos.”

O advogado criminalista Fernando Fernandes disse que as delações que pesaram contra Bretas são só a “ponta do iceberg” dos “métodos escusos” da lava jato fluminense. 

“O afastamento do juiz Bretas em razão de delação de advogados delacionistas que negociaram os abusos do juiz é o inicio da descoberta da ponta do iceberg da caixa preta dos métodos escusos do franchising da ‘lava jato’ fluminense. Mesmos métodos do ex-juiz que tem a pior nódoa da declaração de parcialidade, Sergio Moro. A história vai revelar muito mais.”

O criminalista Carlo Luchione foi o responsável pela representação contra o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho, que, após várias etapas e delação premiada do próprio Nythalmar, culminou no afastamento de Bretas.

Para Luchione, a decisão do CNJ é o resultado natural da atuação “indiferente a garantias fundamentais e princípios constitucionais” do juiz. O julgador, na visão do advogado, é “insensível aos possíveis graves erros judiciais que possa estar cometendo, com grave viés do desvio da necessária imparcialidade do processo”.

Beto Simonetti, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, autora de uma das reclamações contra Bretas, disse que o afastamento do juiz é necessário. 

“A ação da OAB se refere a reportagens veiculadas na imprensa nacional com relatos de graves de violações do devido processo legal por Bretas. Devido à gravidade das alegações, a Ordem entende ser necessário o afastamento do magistrado para que os fatos narrados sejam apurados de forma correta e isenta”.

Reclamações
O CNJ analisou três reclamações disciplinares. Todas estão em sigilo. Por isso, a sessão não foi transmitida. O relator das reclamações é o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão.

Um dos pedidos foi feito pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com base em reportagem da revista Veja segundo a qual Bretas negociou penas, orientou advogados e combinou estratégias com o Ministério Público. A publicação se baseou em delação do advogado criminalista Nythalmar Dias Ferreira Filho.

Segundo a OAB, Bretas violou deveres de imparcialidade, tratamento urbano com as partes, entre outros previstos no artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, culminando, inclusive, em desrespeito às prerrogativas dos advogados.

O segundo processo foi ajuizado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, que aponta condução de um acordo de colaboração premiada baseado apenas em informações repassadas por terceiro, cujo intuito, segundo ele, era favorecer a candidatura de Wilson Witzel ao governo estadual em 2018. 

O caso trata da delação premiada de Alexandre Pinto, ex-secretário municipal de Obras do Rio, que envolveu Paes em um esquema de propinas no plano de infraestrutura das Olimpíadas de 2016. Ele chegou a admitir que não estava presente no momento em que Paes teria acertado um pagamento à construtora Odebrecht.

A defesa do atual prefeito do Rio pediu acesso ao material da delação, mas Bretas alegou sigilo do caso e negou. Mesmo assim, alguns trechos do depoimento vazaram. À época em que a delação veio à tona, Paes liderava as pesquisas de intenção de voto para o governo do Rio. Porém, ao fim, Witzel foi eleito.

A terceira reclamação disciplinar foi ajuizada pela própria Corregedoria Nacional de Justiça, a partir de correição extraordinária determinada pelo corregedor, ministro Luis Felipe Salomão, e coordenada pelo desembargador Carlos von Adamek.

Delação premiada
Em acordo de colaboração premiada firmado com a Procuradoria-Geral da República, Nythalmar Dias Ferreira Filho afirmou que Bretas negociou penas, orientou advogados e combinou estratégias com o Ministério Público. 

O  advogado criminalista teria apresentado uma gravação na qual Bretas diz que vai “aliviar” acusações contra o empresário Fernando Cavendish, delator que também chegou a ser preso pela “lava jato”.

A revista transcreve a gravação, na qual Bretas afirma: “Você pode falar que conversei com ele, com o Leo, que fizemos uma videoconferência lá, e o procurador me garantiu que aqui mantém o interesse, aqui não vai embarreirar”, diz Bretas. “E aí deixa comigo também que eu vou aliviar. Não vou botar 43 anos no cara. Cara tá assustado com os 43 anos”, diz ele em outro trecho do diálogo.

Leo seria o procurador Leonardo Cardoso de Freitas, então coordenador da “lava jato” no Rio de Janeiro. Os “43 anos” se referem à decisão que condenou o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, o que gerou temor generalizado nos réus.

Além disso, Nythalmar afirma que Bretas atuou para que Wilson Witzel (PSC) fosse eleito governador do Rio em 2018. De acordo com o advogado, no segundo turno, Eduardo Paes, em busca de uma trégua, comprometeu-se a nomear uma irmã do juiz para uma secretaria se fosse eleito. 

Depois de Witzel ganhar as eleições, ele, Paes e Bretas firmaram um acordo informal, narra Nythalmar. O ex-prefeito assegurou que abandonaria a política “em troca de não ser perseguido” (o que não aconteceu, pois foi novamente eleito prefeito do Rio em 2020). 

Já Witzel nomeou Marcilene Cristina Bretas, irmã do juiz, para um cargo na Controladoria-Geral do Estado do Rio. À Veja, Bretas negou as acusações.

Fonte: ConJur

Disponivel em : https://www.conjur.com.br/2023-fev-28/afastamento-bretas-reforca-exigencia-imparcialidade-juizes

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *