A transação tributária em âmbito federal [1], implementada como alternativa à via judicial de solução de litígios, está em vigor há pouco mais de três anos e, durante este período, as experiências vivenciadas mostraram que esse instrumento é uma medida acertada para resolver a crise de inadimplemento.
A experiência prática tem demonstrado como cada uma das modalidades de transação previstas induz a conduta dos contribuintes no sentido da resolução do litígio e do adimplemento do crédito tributário. Afinal, cada uma delas atinge um tipo específico de litígio, fazendo com que o comportamento do contribuinte se altere, por isso a importância em abordá-las.
Considerando o critério da iniciativa do contribuinte na definição dos termos transacionados, segundo as disposições da Lei nº 13.988/2020, identificam-se duas modalidades de transação [2]: (1) na cobrança do crédito tributário, a transação pode se perfectibilizar por proposta individual ou por adesão; (2) no contencioso judicial ou administrativo e na hipótese do contencioso de pequeno valor a transação se consolida por adesão [3].
Essas modalidades podem ser separadas em dois grupos, quais sejam: (1) aquele em que o crédito a ser transacionado está em discussão em execução fiscal, ou seja, já no último estágio do ciclo de concretização da obrigação tributária; e (2) e aquele no qual o crédito tributário a ser transacionado é objeto de litígio instalado pelo contribuinte em ação antiexacional ou em contencioso administrativo, ambiente no qual a discussão se dá quanto à exigibilidade do crédito tributário.
Segundo levantamento realizado pelo Insper [4] no ano de 2022, o maior volume de transações foi verificado nos casos em que os débitos fiscais já estavam inscritos em dívida ativa, o que demonstra que quanto mais avançado o estágio da cobrança, maior o estímulo gerado no contribuinte para a sua regularização. Em nossa opinião, isso pode decorrer do ônus patrimonial que essa etapa da crise de inadimplemento impõe ao contribuinte.
Por outro lado, foi possível observar que as transações do contencioso não promoveram um volume de adesões apto a demonstrar a eficiência dessa específica modalidade em induzir a conduta do contribuinte de encerrar a discussão e pagar o crédito tributário eventualmente devido [5]. Algumas razões podem ser atribuídas para tal situação.
A primeira delas é a de que neste tipo de transação, não há a constituição definitiva do crédito tributário, tão somente a discussão quanto à sua exigibilidade, ou seja, há ainda um grau de incerteza acerca do desfecho da discussão, seja em âmbito administrativo, seja em âmbito judicial, o que limita o interesse do contribuinte em abandonar o litígio, justamente porque o resultado da tese em discussão pode vir a ser favorável
O comando indutivo perde força nesta modalidade de transação diante da impossibilidade de discussão quanto à invalidade dessa adesão na hipótese de a tese definida ser favorável aos contribuintes [6].
Outro fator que, acreditamos, pode ser causa desse “desânimo” para adesão à transação do contencioso, é a necessidade de a desistência da ação em curso ter que abranger não só períodos passados, como também futuros [7], além de englobar todos os processos que tratem da tese eleita pela administração pública federal. Situação essa que nem sempre atende aos interesses do contribuinte, já que pode haver mais de uma ação discutindo a mesma tese, mas tratando de situações fáticas distintas, como ocorreu com a questão do ágio [8].
Ainda que haja necessidade de aprimoramentos, não há como negar que a transação demonstrou ser um potente aliado da permanente busca por redução de litígios, concretizadora, portanto, da intenção do legislador processual de 2015 de promover a desjudicialização.
Diante da projeção que a transação ganhou é importante reforçar que esse instrumento não se confunde com o parcelamento, porque, esse último, quando implementado atinge a totalidade dos contribuintes que tenham débitos em aberto e não objetiva resolver o conflito havido entre fisco e contribuinte.
Não é demais acrescentar que o instrumento da transação não é um remédio genérico para todos, uma vez que busca, primordialmente, a regularização de créditos tributários irrecuperáveis ou de difícil recuperação, cujos litígios normalmente se arrastam por anos; assim, visa a atingir aqueles contribuintes que por diversas razões não conseguiram cumprir, de forma regular e tempestiva, suas obrigações tributárias, mas que ao identificarem uma possibilidade de regularização a ela se conduzem.
Porque a transação é um instrumento que permite a negociação, buscando a solução de litígios de forma consensual, tem intrínseca em sua implementação a confiança recíproca entre fisco e contribuinte, que, embora ainda tímida, vem ganhando força justamente porque atende aos interesses tanto da administração quanto dos contribuintes, como demonstram os números do relatório adrede referido.
Assim, não há como negar: a transação veio para ficar.
Fonte: ConJur
Disponivel em: https://www.conjur.com.br/2023-jul-02/processo-tributario-sistema-multiportas-transacao-entre-fisco-…